Hoje, despertei envolto pelo tédio que se tornou uma companhia frequente nestes tempos de pandemia do Coronavírus. Decidi então agarrar uma das minhas fontes de escape favoritas, minha bicicleta speed, e partir sem rumo. Logo me vi guiado pela inércia até o destino que ansiava: Piaçabuçu, minha terra natal em Alagoas.
Ao chegar lá, embarquei em um tour pela cidade
antiga e acabei às margens do majestoso Rio São Francisco. Deixei minha
bicicleta no cais, desci e me inclinei sobre seu parapeito, permitindo-me
mergulhar na contemplação das belezas que por anos me foram tão familiares, mas
que, por um capricho da visão, nunca antes havia percebido.
Diante de mim, fluía um dos rios mais antigos e
cativantes, e um dos mais importantes do Brasil: o Rio São Francisco.
Remontando à descoberta em 1500, recordei a passagem ilustre de Dom Pedro II
por suas águas. Vieram à mente também as histórias ancestrais das embarcações
que o sulcaram e sua relevância econômica para os ribeirinhos.
Absorto no cenário do cais, um filme de lembranças
começou a se desenrolar em minha mente. Vi-me mergulhando naquele rio
turbulento junto com os garotos da minha geração nos anos 70, uma época em que
o São Francisco representava um perigo palpável para aqueles que se aventuravam
em suas águas. Lembrei-me dos apelos angustiados de minha mãe, enquanto lavava
roupas à beira do cais, implorando para que eu não me jogasse na correnteza e
me afastasse, ignorando os riscos que ela poderia me levar para longe, dificultando
qualquer tentativa de resgate.
Esse devaneio foi interrompido pela chegada de duas
pessoas pescando nas proximidades. Montei novamente em minha bicicleta,
contornando o cais e observando as mudanças nas fachadas das antigas
residências. A influência da nova arquitetura transformara o cenário familiar
que eu conhecia em um passado distante. O mercado de carne e farinha
desaparecera, dando lugar a uma loja de artesanato, e novas construções
avançavam pelas margens do rio sem fiscalização, diminuindo a importância
histórica do cais adjacente ao mercado.
Mais lembranças sobre o rio vieram à tona.
Recordações das cheias que inundavam a cidade, trazendo consigo uma abundância
de alimentos, desde camarões até peixes como traíras, caborjes e piranhas. A
água do rio era vida para os ribeirinhos, fornecendo não só alimento, mas
também sustento.
Continuando minha peregrinação, encontrei um velho
colega de escola, José Rivaldo, conhecido por todos como Palerma, agora
dedicado à pesca. Ao abordá-lo, seus olhos cansados pelo tempo se iluminaram ao
me reconhecer.
Ah, é o Carlos Alberto, não é? Estudamos juntos no
Elio de Lemos, lembra?
Apesar das décadas transcorridas desde nossos
tempos de escola, fiz um esforço para recordar. Palerma, um nativo da região,
compartilhou comigo sua visão sobre as mudanças no Rio São Francisco.
Conhecendo bem a história do rio, ele concordou sobre a riqueza que outrora ele
proporcionava, mas lamentou as dificuldades enfrentadas pelos pescadores nos
dias atuais, especialmente com a escassez de peixes e os desafios impostos
pelas regulamentações de pesca.
As palavras de Palerma ecoaram em minha mente
enquanto ele lamentava o desaparecimento da pilombeta, um peixe outrora
abundante e acessível, agora transformado em iguaria cara e rara. Seus relatos
sobre os perigos do rio, desde as cheias repentinas até os encontros com
animais como o mero, trouxeram à tona uma realidade que, embora familiar, agora
parecia distante.
Encontrei também Duda, um atravessador de pescado,
cuja insatisfação com a profissão e as dificuldades enfrentadas pelos
pescadores refletiam a luta contínua pela sobrevivência em meio às mudanças
ambientais e regulamentações cada vez mais rígidas.
Enquanto refletia sobre as histórias compartilhadas
por Palerma e Duda, percebi que a preservação do rio e de seu ecossistema era
essencial para garantir não apenas a subsistência dos habitantes locais, mas
também a preservação de um legado cultural e ambiental precioso.
Piaçabuçu, com sua beleza natural e arquitetura
histórica, enfrentava agora os desafios impostos pela modernidade e pela
crescente pressão sobre seus recursos naturais. Contudo, nas palavras e
memórias dos seus habitantes, permanecia a esperança de que, através do
respeito e preservação, o Rio São Francisco continuaria a fluir como uma fonte
de vida e inspiração para as gerações futuras.
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