Jornada Interior: Uma Viagem às Origens e Reflexões sobre a Preservação da Terra

 


    Vou abrir meu coração. Sou usuário de duas drogas diferentes. Uma é mais leve, pesa 11,5 kg e é conhecida como speed, a outra, mais pesada, tem cerca de 14 kg e atende pelo nome de MTB. Em momentos de grande estresse, qualquer percurso entre 25 e 100 km me traz um alívio imenso. Conversei sobre isso com meu médico e sua orientação foi clara: "não pare".

    Assim, hoje, saí para mais uma "dose" e para amenizar o estresse cotidiano, pedalei 101 km em cinco horas. Optei pela droga mais forte e isso fez ressurgir lembranças do passado.

    Enquanto atravessava a cidade de Piaçabuçu, em Alagoas, ecoava em minha mente o refrão da música de João Nogueira, "O bicho homem".

    “E sou o que sou, sem pátria e sem lei Sou filho cruel, soldado do rei Nasci caçador, bandido e ladrão Sou causador da poluição Sou fogo pegando na mata Sou lixo jogado no mar Poeira cobrindo o luar Sou mãos que apenas consomem Eu sei que só sei destruir Mas sinto que vou prosseguir Oh, mãe natureza, perdão! Sou bicho homem”.

    De repente, um desejo profundo de visitar uma área de mata com a qual não tinha contato há 45 anos. Meu maior obstáculo em fazê-lo era o medo inculcado em mim na infância, pois estava viajava sozinho.

    As lembranças que afloraram foram de Saci Pererê, caipora, almas do outro mundo, contadas pelos meus avós na época em que, montados em uma carroça puxada por animais, íamos colher caju, maçaranduba, cambuí, ingá, todos frutos nativos de nossas matas. Mas a coragem e o prazer proporcionados pela droga que me carregava tomaram conta de mim e segui em direção a ela; logo percebi que não estava sozinho, muitas casas encontradas pelo caminho já me alertavam para o que poderia encontrar ao chegar lá. As pessoas que encontrei me orientavam na direção certa da mata Zintan.

    A expectativa de alcançar meu destino era grande a ponto de eu não perceber o que estava à minha frente. Uma vaca, que parecia ter acabado de parir, pois seu úbere estava cheio, e com uma fêmea pós-parto não se brinca; esperei a passagem de um morador local que me tranquilizou. “Ela é tolerante e não vai te atacar; pode passar”. Pensei sobre a tolerância, afinal, sou neto de vaqueiro e conheço bem a fúria das fêmeas para proteger seus filhotes.

    Zintan, nome dado à região coberta por mata e que tinha um bom pasto para alimentar as manadas administradas por meu avô. Não sei o significado da palavra, mas acredito que seja o nome de um país entre a Tunísia e o Egito.

    Para minha surpresa, ao chegar ao meu destino, encontrei ainda a mata e sua vegetação, muito diferentes das áreas vizinhas que foram substituídas pelo plantio de cana-de-açúcar. A beleza do verde das folhas das árvores, a sensação de um ar fresco e puro que encheu meus pulmões, o contato com as poças d’água, as lagoas e seus habitantes, o galo-d’água, a paturi, a jaçanã e até a garça, uma das aves mais comuns na região em sua busca por alimento.

    Esse retorno às minhas origens me deixou feliz, pois um pedacinho da minha região ainda estava lá, quase intacto, apesar de algumas árvores consideradas centenárias já não estarem mais; outras, como as consideradas madeira de lei, com certeza já não existem.

    O medo que ainda me dominava ao pensar nas histórias de meus avós me fez arrepiar, mas a beleza do ambiente, o aroma gostoso que as piaçabas e os cajueiros exalavam, me fizeram esquecer.

    Essa visita me levou a refletir. Quanto tempo será necessário para que a Terra perca toda a sua beleza? Quanto tempo levará para que "o bicho homem" entenda que ele é responsável por sua própria sobrevivência e que essa sobrevivência depende da preservação? Talvez essa resposta nunca seja dada, pois o progresso e a sobrevivência humana parecem ser a própria ruína do homem.

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“Sou bicho homem”.

Texto: Carlos Eloy

         


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